quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ai, que vontade de morder




Antes de falar, muitas crianças usam os dentes para se comunicar. Saiba aqui como lidar com as mordidas.
A equipe do CEI Santo Antonio, em São Paulo, enfrentou uma situação delicada em 2006. Uma avó ao buscar o neto, saiu dizendo para a filha que a creche estava cheia de pitbulls, pois a criança de 2 anos tinha as marcas dos dentes de um colega no rosto. Outra mãe ouvia o comentário e foi reclamar com a diretora da Escola. "Ela sabia que é comum morder nessa fase da infância e não concordava com o rótulo dado para a turma de seu filho",lembra a coordenadora pedagógica, Elizabeth Bilezikjian.
Muitos professores enfrentam constantemente o choro de dor de uma criança e a reclamação de um pai indignado. Apesar de comum, a situação é um desafio na Educação Infantil. Afinal, por que os pequenos gostam tanto de morder?
Um dos motivos é a descoberta do próprio corpo. Desde o aparecimento da dentição até por volta do 2 anos, eles mordem brinquedos, sapatos e até os próprios pais, professores e amigos para descobrir sensações e movimentos. O psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) escreveu que assim a criança constrói seu "eu corporal". "É nessa fase, em que ela testa os limites do próprio corpo, onde o dela acaba e começa o da outra pessoa. E os dentes que estão nascendo estão em evidência", explica Heloysa Dantas, professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. O austriaco Sigmund Freud (1856-1939) também ajudou a entender as dentadas. O fundador da psicanálise definiu como fase oral o periodo em que a criança sente necessidade de levar à boca tudo o que estiver ao seu alcance, pois o prazer vital está ligado à nutrição.
Ela experimenta o mundo com o que conhece melhor: a boca.
Outra razão é a necessidade de se comunicar. Os pequenos não dominam a linguagem verbal e utilizam a mordida para expressar descontentamento e irritação ou para disputar a atenção ou objetos com os amigos.
Amor e carinho também podem ser expostos com uma mordidela, como fazem os adultos ao afagar os bebês.
"O professor precisa perceber qual sentimento está em jogo para agir sem drama",destaca a psicopedagoga Denise Argolo Estill, da clínica Infans Unidade de Atendimento ao Bebê, em São Paulo.
Sem rótulos nem drama
A separação dos pais e algumas situações novas vividas na escola podem gerar desconforto e insegurança. Sem poder falar, os dentes viram um recurso de expressão. Assim, fica fácil compreender por que as crianças que mordem não podem ser rotuladas. Além da descoberta do corpo e da expressão de sentimentos, elas ainda estão construindo a identidade. Quando estigmatizados, os pequenos sentem dificuldade em desempenhar outro papel que não o de agressor. "Eles podem ter dificuldades de se relacionar. O que seria uma fase transitória pode se cristalizar num comportamento permanente", explica Denise.
Para evitar que a história dos pitbulls se espalhasse e gerasse um mal estar maior entre os pais, a coordenação do CEI Santo Antonio chamou todas as famílias para uma conversa.
Não revelou para a avó indignada quem deu a mordida e acalmou os ânimos da mãe irritada com o comentário ouvido na porta da escola.
Na reunião, os pais aprenderam sobre o significado da dentada e se deram conta de que a situação é muito comum, tanto em casa como na escola, e não se trata de negligência por parte dos adultos.
A adaptação escolar é o período em que as mordidas mais aparecem. A professora Elsie Claire Canelas, do Jardim da Infância do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, sabe que nessa época sua intervenção deve ser maior. "Peço à criança que mordeu que ajude a massagear a outra, pôr gelo no ferimento. O colega mordido vai se sentindo melhor até parar de chorar".
Compreeder essas questões pode ajudar professores e pais. Mas, ainda assim, o desafio permanece.
Se a criança com mais de 3 anos continuam a morder, cabe aos professores descobrir juntamente com os pais por que elas recorrem a esse mecanismo típico de outra fase do desenvolvimento. Se grande parte de uma turma morde com muita frequência, os professores e os coordenadores precisam se questionar e rever o planejamento: será que as atividades estão interessantes?
Não estarão faltando situações pedagógicas de desafio, brincadeiras, comunicação e expressão?
Como tratar os que mordem
* Não brigue com a criança, mas seja firme.
* Explique que ninguém gosta de sentir dor e peça ajuda para curar o machucado do colega.
* Descubra o que motivou o comportamento e mostre outras formas de expressão.
Como falar com os pais
* Não espere que a criança seja mordida para tratar do assunto. Esse é um tema para ser discutido no início do ano.
* Seja o primeiro a mostrar aos pais o ferimento da criança. Conte em que situãção aconteceu a mordida e afirme com segurança que não se trata de negligência da escola.
* Numca revele quem mordeu.
* Só avise os responsáveis pela criança que mordeu caso ela repita o comportamento mais vezes.

Fonte: reportagem tirada da revista Nova escola - Jaciara de Sá

Nenhum comentário:

Postar um comentário